Por Alessandro Lima
Conhece-se por sedevacantismo a posição teológica de alguns católicos que acreditam que o último Papa válido na Igreja foi Pio XII. Os Papas João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e o atual pontífice, o Papa Francisco, segundo eles seriam impostores.
Esta posição teve origem após a finalização do Concílio Vaticano II em 1965. Os sedevacantistas acreditam que a doutrina ensinada pelo Concílio é herética e que o Paulo VI por ter promulgado este concílio também foi herético e por tanto deixou de ser Papa. Uma das crenças capitais entre sedevacantistas é a de que um Papa que se torna herege, perde ipso facto o seu pontificado.
Como acreditam e afirmam que a Sé Apostólica está vacante (do latim Sede Vacante), intitularam-se sedevacantistas.
As crenças sedevacantistas variam de grupo para grupo, mas em linhas gerais ou nos grupos majoritários, as bases estão no que afirmamos acima.
Neste trabalho não temos objetivo de refutar todas as crenças sedevacantistas, que julgamos errôneas, mas apresentar a falta de lastro do sedevacantismo com a realidade.
Um erro eclesiológico moderno
Os sedevacantistas, talvez sem plena consciência disto, negam na prática pelo menos duas características da Igreja e que são ensinadas pela Doutrina Católica: a sua visibilidade e a sua perfeição.
- A Igreja é Visível
A Igreja não é meramente espiritual. Possui um corpo, provida de órgãos hierárquicos e pode ser encontrada por quem quer que deseje encontrá-la. Também é próprio das sociedades visíveis, possuírem uma constituição jurídica.
A Igreja está instituída como uma sociedade juridicamente constituída e ordenada. Sendo a Igreja uma sociedade visível seus atos devem ser públicos, isto é, de conhecimento de todos. Logo em função de sua constituição jurídica, seus atos (que são públicos) também são juridicamente reais.
Um fiel que tem dúvidas sobre a validade de seu matrimônio, deve procurar um Tribunal Eclesiástico para receber um parecer da Igreja sobre o seu caso. Ainda que ele acredite firmemente e que tenha bons argumentos para crer que seu matrimônio foi nulo, não basta o seu parecer pessoal. O seu matrimônio (por enquanto válido, até que se diga o contrário) foi um ato público e que teve consequências jurídicas: fulano e beltrana são casados! Se ele foi nulo, tal nulidade deve ser um também público e com consequências jurídicas: os fiéis podem contrair validamente “novo” matrimônio, ou um deles pode entrar para a vida consagrada etc.
Ora, a eleição de um Papa é um fato público e que tem vida ou consequências no ordenamento jurídico da Igreja. A demissão de um Papa idem! Logo, não está ao arbítrio de um fiel se uma eleição papal foi válida ou não, se fulano é ou não Papa. Pois, sendo a Igreja uma sociedade visível e jurídica, são os atos públicos e jurídicos.
Um sedevacantista quando crê que o Papa Francisco não é Papa, ele está delirando! Pois, tal opinião não possui fundamento na realidade: pois, a suposta demissão ou deposição de Francisco não é pública e nem jurídica! Quanto ao aspecto jurídico da queda de um Papa de seu cargo, não estamos afirmando que o Papa deveria ser julgado segundo algum artigo do Direito Canônico, não! O Papa não está sujeito ao Direito Canônico, para quem não sabe! Mas, tal fato público e notório (de conhecimento de todos os católicos) tem que ter consequências no ordenamento jurídico da Igreja: todos os fiéis serem avisados que fulano não é mais Papa e que um novo Papa será eleito; sagrações episcopais deverão aguardar uma nova eleição papal, pois só o Papa pode dar jurisdição a um bispo; processos eclesiásticos que dependam de um parecer do Papa, também deverão ser suspensos… etc. Em resumo, se quem está sentado no Trono de São Pedro, não é um Papa legítimo, tal fato não pode passar despercebido pela vida da Igreja, como se não existisse. Isto é simplesmente impossível em uma sociedade visível como é a Igreja.
Vários teólogos do passado discutiram a possibilidade de demissão de um Papa herege e as opiniões variaram muito [1]. E até o presente momento nem a Igreja e nem os teólogos encerraram a questão! De qualquer forma, se o tema vier a ser fechado no futuro, ele não poderá deixar de considerar a visibilidade da Igreja e deverá estar previsto em seu ordenamento jurídico.
Se um fiel é batizado, se é crismado, se faz primeira comunhão, se se casa, se tem o matrimônio declarado nulo, etc; todos esses fatos são públicos, notórios e jurídicos. Se um padre é demitido, se é reduzido ao estado leigo, se é suspenso de ordens, estes fatos são públicos, notórios e jurídicos. Se um bispo é transferido de diocese, se é aposentado, ou suspenso, todos esses fatos são públicos, notórios e jurídicos! Se o fiel, ou o padre ou o bispo são excomungados, esses fatos também devem ser públicos, notórios e jurídicos. Se para os membros da Igreja em menor dignidade que o Papa é assim, em relação ao Papa seria diferente?
- A Igreja é uma Sociedade Perfeita
No Catecismo de São Pio X, lemos:
“162. Como é constituída a Igreja de Jesus Cristo?
A Igreja de Jesus Cristo é constituída como uma sociedade verdadeira e perfeita. E nela, como uma pessoa moral, podemos distinguir um corpo e uma alma.”
Na Encíclica Divini illius magistri [2], o Papa Pio XI nos ensina que “A terceira sociedade em que nasce o homem, mediante o Baptismo, para a vida divina da graça, é a Igreja, sociedade de ordem sobrenatural e universal, sociedade perfeita, porque reúne em si todos os meios para o seu fim que é a salvação eterna dos homens, e portanto suprema na sua ordem.” (grifos nossos).
Se os sedevacantistas estão corretos, a Igreja não possui mais meios para eleger um Papa, pois, segundo a Lei canônica Cum Proxime [3] (a última promulgada sobre um Conclave até Pio XII), pois não existiram mais cardeais na Santa Igreja. Logo, ela deixaria de ser uma sociedade perfeita, o que contraria a Doutrina Católica.
2.1 A Tese de Cassiciacum
Por conta deste problema, alguns católicos de viés sedevacantista adiram à tese de Cassiciacum [4], que ensina em linhas que Jesus ao conferir a Autoridade Pontifícia ao eleito Papa pela Igreja, não confere tal Autoridade se este for um herege, ou seja a falta de fé católica seria um óbice a Cristo lhe conferir tal Autoridade. Assim, desta forma, o Papa eleito não seria Papa formalmente, mas apenas materialmente, sendo capaz de realizar alguns atos papais legítimos como a escolha de cardeais. Esta é mais uma aberração que salta aos olhos. Seja o que for, é uma tese teológica (muito provavelmente errônea) e não doutrina católica e portanto não pode fundamentar a vida de um católico.
2.2 Um Concílio Imperfeito
Como dissemos, sendo a Igreja uma sociedade perfeita e única em seu gênero, possui todos os meios para cumprir a sua missão, o que inclui o provimento de um Papa. Na Crise do Cisma do Ocidente (séculos XIV e XV), a Igreja tinha dúvidas sobre quem era o Papa (não se existia ou não Papa. É uma diferença sutil mas que faz toda a diferença). A solução encontrada foi pedir aos supostos Papas (um deles era o legítimo) a sua renúncia para que um novo Papa pudesse ser eleito e aceito por todos. O conclave se realizou através de um Concílio, o Concílio de Constança (1414-1418).
Como tal Concílio foi realizado se somente um Papa pode convocá-lo ou no pior dos casos aprová-lo? Pelo fato deste Concílio não ter sido convocado por um Papa, ou por não ter nele um delegado papal, ele é chamado tecnicamente de Concílio Imperfeito. Este tipo de Concílio tem limites: não pode definir dogmas e não pode definir leis gerais para a Igreja, coisas que dependem do Papa. Em 11 de Novembro de 1418, o Concílio de Constança elege o Papa Martinho V, trazendo então paz à Igreja.
Este fato histórico é um belo exemplo de como as coisas funcionam em uma sociedade visível como é a Igreja: atos públicos, notórios e jurídicos.
Alguns sedevacantistas acreditam que um Concílio Imperfeito poderia resolver o problema em questão: a eleição de um Papa. Essa proposta encontra muitas dificuldades, sendo a principal delas a Lei “atual” sobre o Conclave. Teria um Concílio Imperfeito poder para remover uma Lei Papal? Tal Concílio Imperfeito sedevacantista seria recebido pelo orbe católico, como o foi o Concílio de Constância, ratificando a sua legitimidade? Quanto mais se cava, mas o buraco parece ser fundo…
Conclusão
Com efeito, a Sé Apostólica pode ficar vacante. Isso ocorre ordinariamente quando um Papa falece ou renuncia e outro precisa ser eleito. Períodos de vacância da Sé Apostólica devem ser curtos, pois o Papa é um elemento fundamental na constituição da Igreja. Uma Igreja sem cabeça, não é a Igreja Católica. Embora a Indefectibilidade da Igreja seja muitas vezes referida sobre o ensinamento da sua Doutrina, ela tem origem na constituição mesma da Igreja. Uma Igreja sem cabeça é uma instituição incompleta, defeituosa, algo impossível para a Igreja Católica. Desenvolveremos este tópico e outro fortemente relacionado (a jurisdição eclesiástica) no próximo artigo.
A posição Sedevacantista poderia fazer algum sentido na década de 70, 80 ou 90. Mas é uma posição que passou da validade, embora tenha crescido exponencialmente nos últimos anos. É como aquelas seitas protestantes do final do século XIX que disseram que o mundo iria acabar em tal data. Chegava a suposta data e a terra continuava a girar sobre seu próprio eixo. Depois diziam que o mundo iria acabar no ano 2000… E já estamos em 2023. E assim é com o Sedevacantismo, quanto mais o tempo passa mais ele se revela caduco.
NOTAS
[1] Recomendamos a leitura da obra que editamos: SILVEIRA, Arnaldo Xavier Vidigal da. A Hipótese Teológica de um Papa Herege, 2a edição revista e ampliada. Brasília, 2022: Edições Veritatis Splendor.
[2] https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-illius-magistri.html
[3] https://www.vatican.va/content/pius-xi/it/motu_proprio/documents/hf_p-xi_motu-proprio_19220301_cum-proxime.html
[4] https://www.ofielcatolico.com.br/2023/02/a-tese-de-cassiciacum-ou-dos-materiais.html
Fonte: https://www.veritatis.com.br/sedevacantismo-uma-ideia-caduca/