John Salsa e Robert Siscoe
Tradução: Alessandro Lima.
A constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I estabelece como dogma de fé que Pedro tem perpétuos sucessores no primado da Igreja universal.
O que é a Igreja?
A Igreja Católica Romana é o Corpo Místico de Jesus Cristo na Terra, a sociedade sobrenatural e supranacional fundada por Nosso Senhor para a salvação da humanidade. A Igreja de Cristo não é uma sociedade invisível de verdadeiros crentes conhecidos somente por Deus. Não consiste apenas dos justos (como Lutero ensinou) ou apenas dos predestinados (como Calvino sustentou). A Igreja também não exclui os pecadores, pois Ela consiste tanto da boa semente quanto da má semente (Mt. 13, 30). A Igreja não foi estabelecida por um grupo de indivíduos que, professando crer em Cristo como o Messias, se uniram para formar uma comunidade; nem foi a Igreja indiretamente fundada por Cristo por meio de homens a quem Ele confiou a tarefa.
Pelo contrário, a Igreja de Cristo foi instituída pessoal e diretamente pelo Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, [24] como uma sociedade hierárquica visível. [25] Foi estabelecida sobre o fundamento dos Apóstolos e dos profetas antes deles, com Nosso Senhor como sua pedra angular (Ef 2,20-21) e São Pedro sua cabeça visível (Mt. 16, 18-19). O bem-aventurado Pedro e seus sucessores perpétuos servem como princípio de unidade e fundamento visível na Igreja. [26] Como Vigário de Cristo, o Papa recebe sua autoridade diretamente de Cristo, e visivelmente o representa, Ele que é a verdadeira mas invisível Cabeça da sociedade visível .
Cristo Estabelece o Papado
A instituição divina do papado é revelada no Evangelho de São Mateus, capítulo 16, quando Cristo declarou a Simão:
“E eu digo-te que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares sobre a terra, será ligado também nos céus; e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus.”. (Mt. 16, 18-19) [27]
O primado de São Pedro, como cabeça da Igreja universal, era uma prerrogativa pessoal de São Pedro somente, na medida em que não foi dado aos outros Apóstolos; mas não era uma prerrogativa pessoal no sentido de morrer com ele. Assim como a Igreja de Cristo foi estabelecida para continuar até a Segunda Vinda de Nosso Senhor, assim também foi o ofício de Pedro para continuar perpetuamente por meio de seus sucessores. Consequentemente, o papado é um cargo permanente que será preenchido pelos sucessores de São Pedro até o fim dos tempos. E, como a história confirma, houve uma sucessão contínua de Papas ocupando a Cátedra de São Pedro desde o início.
Em uma carta escrita contra o cisma Donatista, Santo Agostinho forneceu uma lista dos sucessores de São Pedro até seus dias. Ele escreveu:
“Pois se a sucessão linear dos bispos deve ser levada em conta, com muito mais certeza e benefício para a Igreja nós contamos até chegarmos ao próprio Pedro, a quem, como uma figura de toda a Igreja, o Senhor disse: ‘Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela!’ Mateus 16, 18. O sucessor de Pedro foi Lino, e seus sucessores em continuidade ininterrupta foram estes: — Clemente, Anacleto, Evaristo, Alexandre, Sisto, Telésforo, Higino, Aniceto, Pio, Sotero, Eleutério, Vítor, Zeferino, Calixto, Urbano, Ponciano, Antherus, Fabiano, Cornélio, Lúcio, Estéfano, Xisto, Dionísio, Félix, Eutiquiano, Caio, Marcelino, Marcelo, Eusébio, Melquíades, Silvestre, Marco, Júlio, Libério, Dâmaso e Sirício, cujo sucessor é o atual Bispo Anastácio ”. (Santo Agostinho, Cartas 53:1 :2, A.D. 412) [28]
É um artigo de fé, definido pelo Concílio Vaticano I, que o Bem-Aventurado Pedro terá uma linha contínua de sucessores:
Decerto, “ninguém duvida, pois é um fato notório em todos os séculos, que o santo e beatíssimo Pedro, príncipe e chefe dos Apóstolos, recebeu de nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano, as chaves do reino; e ele, até agora e sempre, em seus sucessores”, os bispos da santa Sé de Roma, por ele fundada e consagrada com seu sangue, “vive” e preside e “exerce o juízo”. Daí se segue que todo aquele que sucede a Pedro nesta cátedra, obtém, segundo a instituição do próprio Cristo, o primado de Pedro sobre a Igreja universal. […]
Se, portanto, alguém disser não ser por instituição do próprio Cristo, ou seja, de direito divino, que o bem-aventurado Pedro tem perpétuos sucessores (perpétuos sucessores) no primado sobre a Igreja universal; ou ( aut ) que o Romano Pontífice não é o sucessor do bem-aventurado Pedro no mesmo primado: seja anátema. [29]
Dois artigos de fé devem ser afirmados de acordo com o ensinamento acima: 1) Por lei divina, São Pedro terá sucessores perpétuos no primado, e 2) o Romano Pontífice é o sucessor de São Pedro neste primado. Observe que as duas cláusulas na citação acima são separadas por “ou” (latim, aut ) para distinguir que São Pedro terá “sucessores perpétuos no primado” do dogma de que o Romano Pontífice é o sucessor de São Pedro. O Concílio Vaticano faz uma distinção clara entre o primado do ofício papal, que continuará até o fim dos tempos, e os papas individuais – os “ sucessores perpétuos ” – que ocupam o ofício. Assim, eles são dogmas por direito próprio (o primeiro refuta os erros do protestantismo e da ortodoxia oriental, enquanto o último refuta o sedevacantismo ). Isso significa que a Igreja sempre poderá eleger um novo Papa para ocupar a cátedra de São Pedro após a morte ou renúncia do antigo Papa (é claro, não adianta ter um ofício perpétuo, a menos que a Igreja seja capaz de preencher o ofício com um sucessor).
Agora, porque os sedevacantistas afirmam que não tivemos um sucessor de São Pedro nas últimas seis décadas (ou mais), alguns tentarão limitar o ensino do concílio a afirmar que o ofício de Pedro continuará até o fim dos tempos (ou seja, que o primado não morreu quando Pedro morreu), mas não que haverá “sucessores perpétuos no primado”. Eles sem dúvida admitirão que aqueles que são eleitos para servir no “ofício perpétuo” (e que eles pessoalmente aceitam como sendo o verdadeiro Papa) são os sucessores de São Pedro no mesmo primado, mas, novamente, sua posição exige que eles neguem o ensinamento claro do Concílio de que haverá uma linha perpétua de sucessores até o fim.
Em resposta a um questionador durante uma de suas palestras, o pregador sedevacantista, Gerry Matatics, revelou como ele e seus colegas são forçados a negar o ensinamento do Concílio Vaticano I:
“Interrogador: ‘A respeito de um artigo no Vaticano I. As pessoas que são contra o sedevacantismo afirmam que no Vaticano I há um anátema que diz que aqueles que acreditam que não haverá um papa até o fim dos tempos, seja anátema. Então o que você diz…?’
Matatics : ‘OK, muito bom… o Vaticano I não exclui o sedevacantismo quando diz que Pedro sempre terá sucessores perpétuos até o fim dos tempos, e anatematiza aqueles que dizem o contrário? […] O Vaticano I não diz que Pedro sempre terá sucessores, no sentido de que sempre haverá um papa a qualquer momento… Em latim é no presente, diz que Pedro tem sucessores’, em outras palavras, o ofício de Pedro não é um ofício que morreu com ele . Existem sucessores para ele; isso é tudo o que o Vaticano I está afirmando – que o papado é um ofício que continua na Igreja. Não morreu quando Pedro morreu.’” [30]
Assim, o Sr. Matatics afirma que a referência do Vaticano I a “sucessores perpétuos no primado”, apenas significa que o ofício do papado continuará, e não que haverá uma linha contínua de sucessores que ocuparão o ofício (como se o ofício pudesse ter qualquer significado sem um sucessor de São Pedro para preenchê-lo). Em sua resposta, o Sr. Matatics não apenas omitiu convenientemente a palavra “perpétuo” de sua citação do infalível cânone do Vaticano I, mas também errou ao afirmar que o verbo “tem” está no tempo presente (“Pedro tem sucessores” ), significando o presente do indicativo. Não, o verbo latino habeat está no presente do subjuntivo o que significa que a frase expressa a ideia de um propósito ou intenção eficaz, olhando para o futuro (Cristo estabeleceu que São Pedro teria sucessores perpétuos) em vez de uma simples declaração do que atualmente acontece ser o caso (São Pedro tem sucessores).
O Sr. Matatics então se referiu a alguns teólogos não identificados que, conforme ele afirma, sustentaram que um cargo pode continuar a existir por até 100 anos se não for realmente preenchido (o que levanta a questão de por que 100 anos e não algo mais ou menos? ). Afirmou então que, segundo esse ensinamento, o ofício de Pedro só deixaria de existir se ficasse vago por mais de 99 anos. Infelizmente, além de sua omissão do “perpétuos” e sua compreensão errônea do latim, o Sr. Matatics não cita uma única autoridade para apoiar sua afirmação de que o uso feito pelo Vaticano I de “sucessores perpétuos no primado” significa apenas que o ofício continuará, e não que haverá uma linha contínua de sucessores que ocupam o cargo. Isso porque a visão do Sr. Matatics contradiz diretamente o que os teólogos da Igreja ensinam sobre o assunto.
Durante a mesma palestra, o Sr. Matatics disse que um de seus “autores favoritos é o Pe. E. Sylvester Berry, professor de Escritura no Seminário de Mt. St. Mary… nas décadas de 1920 e 1930.” Ele então se referiu ao “maravilhoso livro do Pe. Berry chamado The Church of Christ (A Igreja de Cristo, em tradução livre)”. [31] Já que o Sr. Matatics elogia publicamente este autor e livro, vamos ouvir o que o próprio Pe. Berry ensina no livro sobre a linha ininterrupta de sucessores de São Pedro. Comentando sobre o ensinamento acima do Concílio Vaticano I, o Pe. Berry explica que “o primado com todos os seus poderes e privilégios é transmitido aos sucessores de São Pedro, que formam uma linha ininterrupta de pastores supremos para governar a Igreja em sua existência contínua”. Um pouco mais tarde, acrescenta: “a Igreja deve ter sempre um guardião, um legislador e juiz supremo, se quiser continuar como Cristo a fundou” [32].
Então, um dos “autores favoritos” do Sr. Matatics ensina que “a Igreja deve sempre ter um guardião”, enquanto o Sr. Matatics afirma que a Igreja não tem um guardião há duas ou três gerações.
Mons. Van Noort ensina o mesmo que o Pe. Berry. Ele escreveu: “é fato inquestionável que a Igreja nunca pode deixar de ter um sucessor de Pedro…” [33]
Comentando mais sobre o mesmo ponto, ele escreveu: “Uma vez que Cristo decretou que Pedro deveria ter uma linha interminável de sucessores no primado, deve sempre ter havido e deve ainda haver alguém na Igreja que exerça seu primado”. [34]
Ao contrário do que o Sr. Matatics afirma, o Concílio Vaticano I não apenas afirmou que o Papa detém o primado de São Pedro (e que o ofício é perpétuo), mas também que São Pedro sempre terá sucessores perpétuos para governar a Igreja. [35] Desnecessário dizer que isso representa um problema intransponível para os sedevacantistas que afirmam que a Igreja tem sido incapaz de eleger um Papa por gerações. Embora seja verdade (como os Padres do Concílio Vaticano obviamente sabiam) que há uma vacância temporária durante um interregno (após a morte de um Papa e a eleição de outro), a Igreja nunca deixou de proporcionar um sucessor para São Pedro . [36]
Na era pós-Vaticano II, a Igreja não deixou de proporcionar um sucessor de São Pedro. Após a morte (ou renúncia) de cada Papa, um Conclave foi convocado e um Papa eleito. Ele pode não ter sido um bom Papa, mas mesmo assim foi eleito um Papa para ocupar a Cátedra de São Pedro.
Notas
[24] O Juramento Contra o Modernismo: “Com fé inabalável, acredito que a Igreja foi imediata e diretamente estabelecida pelo próprio Cristo real e histórico enquanto ele vivia em nosso meio”. ( Denz., 2145).
[25] “Cristo estabeleceu a Igreja como uma sociedade hierárquica… Esta tese é historicamente certa, é teologicamente de fide” (Tanquery, Dogmatic Theology, Vol I. p. 107).
[26] Constituição Dogmática Pastor Aeternus, §1 (18 de julho de 1870).
[27] Para mais informações, incluindo extensos testemunhos e análises bíblicas e patrísticas, veja The Biblical Basis for the Papacy, de John Salza (Huntington, Indiana: Our Sunday Visitor, 2007).
[28] Schaff, Philip, A Select Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, vol. I (Nova York: Charles Scribner and Son’s, 1907), p. 298.
[29] Concílio Vaticano I, Sessão IV, cap. II, 1870 (grifo nosso). A frase “sucessores perpétuos no primado” também confirma que aqueles que a Igreja elege para preencher a vaga são sucessores legítimos de São Pedro. Latim: “Si quis ergo dixerit, non esse ex ipsius Christi Domini Institutione seu iure divino, ut beatus Petrus in primatu super universam Ecclesiam habeat perpetuos successores : aut Romanum Pontificem non esse Beati Petri em eodem primato sucessorem : anátema sit.” ( Denz., 1825).
[30] Matatics, palestra em Compact Disc (“CD”) intitulada “Counterfeit Catholicism vs. Consistent Catholicism ”, Segunda Edição de 2008 (Revisada e Expandida), disco 4 de 6, faixa 15.
[31] Ibid., disco 4 faixa 9.
[32] Berry, The Church of Christ, (Eugene, Oregon: Wipf and Stock Publishers, 2009, publicado anteriormente pelo Mount Saint Mary’s Seminary, 1955), pp. 196-197 (grifo nosso).
[33] Van Noort, Christ’s Church, (Westminster, Maryland: Newman Press, 1961), p. 153 (grifo nosso).
[34] Ibid., p. 75 (grifo nosso).
[35] Ver também Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma, (Rockford, Illinois: TAN Books and Publishers, Inc., 1974), p. 282.
[36] O interregno mais longo foi de três anos e meio entre a morte do Papa São Marcelino (296-304 dC) e a eleição do Papa São Marcelo (308-309 dC ).
Fonte: Salza, John ; Siscoe, Robert. True or False Pope: Refuting Sedevacantism and other Modern Errors (pp. 891-892 – Cap. 1). Edição do Kindle.