Por Alessandro Lima
O sedevacantista é como um homem que se casou uma dotada e belíssima donzela. Depois de alguns meses de casado, ela se comporta em alguns momentos de forma totalmente diversa do tempo de namoro: fala heresias, veste-se imodestamente, tem atitudes pouco piedosas etc.
O marido conclui que a esposa não é aquela com quem ele quis estar unido e que portanto, deve-se separar dela, pois ele queria estar unido à uma mulher católica, e a esposa não tem demonstrado sê-lo. Com base neste julgamento privado, ele resolve repudiar a esposa. Porém, ele precisa encontrar justificativas que apoiem a sua decisão.
Primeiro ele busca uma teoria que justifique que a esposa por suas atitudes controversas perdeu o “cargo”. Procura buscar fundamento nos teólogos que trataram da vida matrimonial e se teriam aventado tal hipótese, bem como os canonistas. O que encontra são teorias, são hipóteses que a Igreja mesmo nunca confirmou. Vê que outros em situação semelhante vão por essa via, pois há um certo Santo e Doutor que parece ter defendido uma das possibilidades. Ele contudo não se sente assim tão encorajado. Descobre um determinado padre que disse que a solução para pessoas no seu caso, não é tentar provar se a esposa perdeu o “cargo”, mas que a “eleição” dela para o cargo foi inválida, ou seja, que seu casamento foi nulo.
O coitado vai revirar a Lei da Igreja, bem como o que os Papas determinaram sobre a “eleição de esposas”. Canonicamente não consegue encontrar nada que prove que a “eleição” da esposa foi nula. Porém o tal padre tem a solução: a esposa quando ainda era noiva já não era tão católica quanto se imaginava, logo não tinha a virtude da fé, logo já estava fora da Igreja por este motivo mesmo, o que invalidaria a sua “eleição” para esposa.
Porém, a noiva gozava de boa reputação no meio católico e bem como de todos os direitos que todo católico que está unido aos vínculos visíveis da Igreja, possui. E por isso mesmo, não estava impedida de ser “eleita” esposa, seguindo que o casamento foi tido como válido por todos os presentes.
E assim, erroneamente se apoiando na teoria do “pecado da fé” ele deixa de considerar que moça com quem se casou é sua verdadeira esposa. Alguém que faz uma coisa dessas está vivendo no mundo real ou num delírio?
Agora fica a pergunta: quem pode decidir se a moça é legítima esposa ou não? É o marido desconfiado através de seu juízo privado ou é a Autoridade da Igreja?
Troque a esposa, casamento por Papa e o seu reconhecimento como Pastor Universal e você entenderá perfeitamente o que é o sedevacantismo.
A grande maioria senão a totalidade dos sedevacantistas eram católicos que assistiam à Missa Nova em suas paróquias diocesanas. Muitos deles passaram para grupos tradicionalistas que repudiam este tipo de celebração (ainda que celebrada com todo decoro, o que realmente é muito difícil de se ver hoje em dia) foi então que tiveram olhos para os defeitos na Igreja e nos Papas Conciliares. Concluíram que diante de tais defeitos o que estava presente não era a Igreja Católica, logo nem os Papas eram legítimos Papas.
Não podemos negar que diante de tantos problemas atuais é muito fácil chegar a este tipo de conclusão. Porém, uma lógica verdadeira exige que toda conclusão parta de premissas verdadeiras e siga uma lógica correta, isenta de falsos silogismos (sofismas).
Como no caso da anedota que contamos acima, não basta que o católico repudie a Igreja com base em seu juízo, porque a Igreja não está numa situação ideal. É preciso que as suas conclusões encontrem lastro na realidade, ou seja, que os efeitos sejam demonstrados pela causa.
Ora, se os Papas conciliares não são verdadeiros papas, das duas uma: 1) ou perderam o seu pontificado no meio do caminho ou 2) foram eleitos ilegitimamente. Os sedevacantistas tentam até hoje provar um caso como o outro, porém sem qualquer sucesso.
Para o primeiro caso tentaram recorrer a São Roberto Belarmino. Porém, além do ensinamento do Santo Doutor Jesuíta sobre como um Papa herege poderia o seu pontificado ser meramente especulativo, uma opinião sua sobre um assunto que não há qualquer definição pelo Magistério da Igreja, deturparam totalmente o sentido das palavras dele, como se ao final das contas, o juízo sobre a Sé Vacante não dependesse em última instância da própria Igreja[1]. E por isso mesmo, a questão do fato (como se pode verificar que um Papa é um herege manifesto) não está definida, bem como a questão do direito (como a Igreja julga ou declara que um Papa perdeu seu pontificado)[2]. A única certeza que há é que não é o juízo privado de fieis leigos que decide a questão!
No segundo caso, os sedevacantistas não conseguem provar como alguém que foi eleito segundo as regras e normas da Igreja não foi eleito validamente. Como não conseguem fazer isso, procuram um subterfúgio, um argumento que não passe pela lei canônica. É o que fez Pe. Cekada ao argumentar que os hereges não podem ser eleitos validamente segundo a Lei Divina. Este argumento tem dois problemas: 1) Alguém que fale heresia publicamente não é um herege no sentido estrito do termo, pois a pertinácia que dá formalidade à heresia não foi constatada pela Autoridade da Igreja. Até que a pessoa seja condenada formalmente pela Igreja, ela goza de boa reputação e todos os direitos que um católico ou um clérigo pode ter. Um caso muito interessante é o do Arcebispo de Paris Mons. Darboy, que se comportou como um “herege público e manifesto” para os padrões sedevacantistas, no entanto, ele não foi considerado herege pelo Papa Pio IX e que também não se recusou a manter relações com ele, apesar de sua atitude escandalosa[3]. 2) Quem interpreta e aplica a Lei Divina é a Autoridade da Igreja através do Papa, Congregações Romanas e Concílios Ecumênicos. Dizer que alguém foi eleito papa canonicamente válido, mas inválido segundo uma lei divina é dizer que a Igreja criou leis inválidas que contrariam a lei divina! E é neste absurdo que caem os sedevacantistas seguidores do Pe. Cekada [4].
Sendo a Igreja uma Sociedade Visível como é o Brasil e a Argentina, possui uma estrutura visível que governa (Papas, Cardeais, Bispos, Patriarcas, Congregações Romanas, Tribunais da Rota Romana, Nunciatura Apostólica, Tribunais eclesiásticos etc) e que simplesmente não pode ter desaparecido do mapa de uma hora para outra. Mas para os sedevacantistas a Igreja “subsiste” em seus apostolados piratas e por mais boa vontade que se possa querer ter, isso não condiz com uma Sociedade Visível como é a Igreja, o que é de fé.
Assim, apontar defeitos e problemas na Igreja, nos bispos, no clero, nos fiéis, nos papas como fez o marido com a sua esposa na história hipotética que contamos, sem demonstrar validamente que o vínculo entre os papas conciliares e a Igreja não existe (ou seja que não são papas, seja porque perderam seu pontificado ou foram eleitos invalidamente) é apenas viver no mundo do faz de conta.
Notas
[1] Sobre isso ver o que escrevemos aqui https://www.veritatis.com.br/o-ipso-facto-de-sao-roberto-belarmino-e-os-sedevacantistas-totalistas/
[2] Para entender o que é uma questão de fato e uma questão de direito e como elas estão relacionadas ao caso da perda do pontificado por um Papa, veja esse nosso artigo https://www.veritatis.com.br/um-papa-herege-a-questao-de-fato-e-a-questao-de-direito/
[3] Veja sobre isso aqui https://www.veritatis.com.br/pio-ix-contra-o-sedevacantismo/
[4] Mais sobre esse assunto aqui https://sedevacantismo-exposto.com.br/a-tese-sedevacantista-de-eleicao-invalida-de-um-papa-por-pecado-de-heresia/